Aplacando a dor
Vez por outra somos tomados de assalto por sentimentos que
acabam por nos levar às lágrimas. Eu mesmo, de quando em quando, entrego a alma
ao bálsamo que lava e alivia o peito. Foi assim que nasceu, tempos atrás, o
poema:
Fuga
(Manhã de 24NOV2007)
Precisa sair
Fugir,
libertar-se...
Encontrar
caminho
E vai...
Deixa um rastro
sutil
Um leve sabor de
sal
Esvai-se
Evapora-se
Alivia
Escorre pela
face
A lágrima
anestesia...
A angústia,
espécie de ansiedade intensa que faz doer até a carne, em momentos de
sofrimentos súbitos, também pode ser aplacada, mesmo que em tempo lento, se
permitirmos a esse líquido precioso sublimar as essências emanadas do nosso
âmago.
Dor,
aflição, agonia, sofrimento; não importa o nome atribuído ao sentimento, tudo se
esvai e se transforma com o passar do tempo. Ah, o tempo, sempre se encarrega de tudo. No
lugar das coisas ruins, lembranças boas proporcionam novas razões... Lavar a
face pode significar renovação, reconstrução da paz de espírito. Nalgum desses
momentos passados, mais uma vez meditando sobre um, não inesperado, posto que
seja fato natural na ordem da existência, a morte, única certeza que podemos
ter da vida, concebi outro poema:
Passagem
(02JUN2011 - Para RONI DIAS, após o desencarne da sua mãe)
Nascer, viver, morrer.
Curso natural difícil de aceitar
Sob as pontes da existência
Passam águas calmas
Passam águas céleres
Águas turvas e águas claras
Águas diferentes, sempre!
Têm rumo certo
O incerto mar da vida!
Sobre as pontes da existência
Nem sempre atento
Navegar intento
Perco-me!
Ebulição de pensamentos
Palavras que se jogam ao vento...
Ás vezes erro, outras, acerto!
Ciclo...
Passagem...
Desencarne!
Dor que invade
Dilacera a carne
Passageira...
Não tem pressa
Mas passa
Lentamente...
Dolência insana!
Mas passa
Carência que se esvai
Nos frouxos olhos derramando águas...
Lágrimas!
Águas saudosas...
Lavam e aplacam a alma
Lembranças tantas!
Turbilhões, peito adentro...
Lembranças que acalentam
Alimentam a vida que segue seu rumo
Certo ou incerto
Ainda,
mais recentemente pude perceber e, afinal, entender que não devemos erguer
comportas para reter lágrimas. Outro dia acordei pura e simplesmente com vontade
de chorar. Mas de onde vinha essa necessidade eu, até hoje, não sei. Todavia,
descobri não ser essencial decifrar as origens. Liberte e se deixe libertar...
Depois de um dia inteiro taciturno e macambúzio, noite adentro sucumbindo a
interrogações para as quais não obtinha respostas, descuidei-me um pouco do
orgulho e chorei. Pranteei até que rolassem lágrimas. Liberei a angústia em
gotas que afligiam a alma... E com elas e através delas aplaquei a dor que
nascera não sei de onde. Aliás, não interessa mais saber. Lágrimas são
lágrimas. Sublime secreção aquosa essencial à vida.
Escrito em 16JUN2011.