domingo, 27 de outubro de 2013

Aplacando a dor



Aplacando a dor

Vez por outra somos tomados de assalto por sentimentos que acabam por nos levar às lágrimas. Eu mesmo, de quando em quando, entrego a alma ao bálsamo que lava e alivia o peito. Foi assim que nasceu, tempos atrás, o poema:

Fuga
(Manhã de 24NOV2007)

Precisa sair
Fugir, libertar-se...
Encontrar caminho
 E vai...
Deixa um rastro sutil
Um leve sabor de sal
Esvai-se
Evapora-se
Alivia
Escorre pela face
A lágrima anestesia...


            A angústia, espécie de ansiedade intensa que faz doer até a carne, em momentos de sofrimentos súbitos, também pode ser aplacada, mesmo que em tempo lento, se permitirmos a esse líquido precioso sublimar as essências emanadas do nosso âmago.
            Dor, aflição, agonia, sofrimento; não importa o nome atribuído ao sentimento, tudo se esvai e se transforma com o passar do tempo. Ah, o tempo, sempre se encarrega de tudo. No lugar das coisas ruins, lembranças boas proporcionam novas razões... Lavar a face pode significar renovação, reconstrução da paz de espírito. Nalgum desses momentos passados, mais uma vez meditando sobre um, não inesperado, posto que seja fato natural na ordem da existência, a morte, única certeza que podemos ter da vida, concebi outro poema:

Passagem
(02JUN2011 - Para RONI DIAS, após o desencarne da sua mãe)

Nascer, viver, morrer.
Curso natural difícil de aceitar

Sob as pontes da existência
Passam águas calmas
Passam águas céleres
Águas turvas e águas claras
Águas diferentes, sempre!
Têm rumo certo
O incerto mar da vida!

Sobre as pontes da existência
Nem sempre atento
Navegar intento
Perco-me!
Ebulição de pensamentos
Palavras que se jogam ao vento...
Ás vezes erro, outras, acerto!

Ciclo...
Passagem...
Desencarne!

Dor que invade
Dilacera a carne
Passageira...
Não tem pressa
Mas passa
Lentamente...
Dolência insana!
Mas passa
Carência que se esvai
Nos frouxos olhos derramando águas...

Lágrimas!
Águas saudosas...
Lavam e aplacam a alma
Lembranças tantas!
Turbilhões, peito adentro...
Lembranças que acalentam
Alimentam a vida que segue seu rumo
Certo ou incerto
Mas segue...

"Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei."
(Allan Kardec)

            Ainda, mais recentemente pude perceber e, afinal, entender que não devemos erguer comportas para reter lágrimas. Outro dia acordei pura e simplesmente com vontade de chorar. Mas de onde vinha essa necessidade eu, até hoje, não sei. Todavia, descobri não ser essencial decifrar as origens. Liberte e se deixe libertar... Depois de um dia inteiro taciturno e macambúzio, noite adentro sucumbindo a interrogações para as quais não obtinha respostas, descuidei-me um pouco do orgulho e chorei. Pranteei até que rolassem lágrimas. Liberei a angústia em gotas que afligiam a alma... E com elas e através delas aplaquei a dor que nascera não sei de onde. Aliás, não interessa mais saber. Lágrimas são lágrimas. Sublime secreção aquosa essencial à vida.
Escrito em 16JUN2011.